sexta-feira, 8 de fevereiro de 2008

Homem, anjo de asas partidas


Homem, anjo de asas partidas
Envolto pelo agradável som das ondas quebrando nas rochas. Deixou-se levar pela música do momento, viu-se só, porém não se sentiu só. Uma tela abriu-se diante de seus olhos. Viu suas asas partidas nos primórdios do tempo não permitindo mais vôos distantes. Teria que caminhar, voltando no tempo de sua história primitiva. Deixou o majestoso aconchego do berço paternal, deixou-se arrebatar por sua liberdade, por seu livre arbítrio de decidir. E decidiu; trilhou caminhos tortuosos, deixou-se levar pelo mal, pelo egoísmo, por más tendências de um filho pródigo deveras ingrato, muito antes fosse na verdade uma criança ainda. Viu todo um Universo relativo ser criado para que pudesse crescer reconhecendo-se em seus erros, sobretudo, aprendendo com eles. Viu-se preso nos laços do tempo, nascendo, crescendo, morrendo e renascendo. Questionou tantas vezes sobre o sofrimento, mas tantas vezes fizera sofrer. Questionou os céus, o Criador, vendo seus filhos morrerem, no entanto, quantos outros também não matou?
No vai e vem das ondas, a lua iluminando as pequenas borbulhas refletidas no ar, viu-se ali, pequeno; pequeno. Tentou abrir a portas trancafiadas de sua mente, buscando encontrar-se, procurando as chaves, procurando o segredo, em vão. Tão pequeno, estava só, porém, não se sentia só. Uma mão acariciava sua face, tocando sua mente, tocando sua alma caída. Anjo de asas partidas, legado a masmorra de pensamentos confusos. Lágrimas sufocaram-lhe, embargando-lhe a voz, percebendo que sua liberdade, não passava de uma prisão. Seu verdugo movido pelo orgulho e egoísmo tratou de arrebatar-lhe a fé. Viu-se no centro de tudo. Tendo como criador a sua imagem e semelhança. Foi banido, não uma vez, porém algumas centenas de vezes. Pois, cria-se maior que o soberano. Apedrejou, aviltou, transgrediu, jamais se dando por vencido. Da caça se fez caçador, apedrejou e cumprindo-se a Lei, foi também apedrejado. Quantas vezes foi tocado por algo maior, não sabendo explicar? Quantas vezes viu pegadas demarcando-lhe a jornada, contudo não as seguiu. Teve em sua proximidade um exemplo maior, porém não se permitiu enxergar. E novamente seguiu como algoz de si mesmo. Mantendo-se cego, desperto na escuridão.
Mil anos de tortura queimando-lhe a alma enlanguescida. Sua Terra já não era mais o centro, assim como ele não estava mais no centro de nada. Tão pouco seu Sol, e uma galáxia inteira. Sua fé fora forjada no terror, nos propósitos dos homens maiores do que Deus. Viu queimarem-se páginas e pessoas vivas, muitas vezes atiçando-lhes a primeira chama. Mas pequeno ainda era, pois ainda tinha que se arrastar em meio a corpos e dores. Pudera vislumbrar as estrelas além das cúpulas de sua crença falida.
Ondas tocavam-lhe os pés cansados. Deixando-se dominar por aquele balouçar das águas, na música a sublimar os melhores pensamentos. Permitiu-se tocar sem medo, permitiu-se ser guiado. Não havia mais sentido folhar páginas tão tristes, o esquecimento tinha um sentido maior, remédio salutar para sua alma. Importante era seguir adiante dos próprios passos, buscando arrebanhar o que havia de melhor. Percebendo então todo o educandário de sua dor, As vendas caiam de seus olhos e a luz outrora turvada pela sua consciência mostrava-se suntuosa. Via todo um horizonte além de seu Universo limitado. Sentiu-se presente no amor, amparado por ele. Levantou-se, pois não podia ficar mais parado, deveria seguir aquela trilha, antes das ondas às apagarem, Seguiu a luz, saindo da escuridão. Sentiu-se tomado pelo amor, acalentado pelo amor, fortalecido pelo amor. Adiante uma multidão dirigiu-se a ele saturados pelo reconhecimento do amor e perdão. Não podendo conter-se; chorou, chorou como uma criança sedenta por leite. Abraçou e deixou-se abraçar, por todos os perseguidos, por todos os perseguidores, por todos os irmãos de sua única irmandade. Desfazia-se diante dele o tempo, o espaço, e o medo de estar definitivamente só.
Gallieus Injo
Vulgo Jefferson
Belo Horizonte, 31/01/2008