domingo, 11 de agosto de 2019

Muitos pais que o Pai nos deu


Quem de nós nesta vida não é fruto de uma união? Fomos concebidos após uma elaborada composição cósmica, filhos de pais que escolheram nos receber como seus descendentes. Alguns muitas vezes não reconhecem esta decisão e perdem-se no mundo, legando ao esquecimento promessas de amor e reconciliação. Quantas oportunidades acabam por se perder. Porém, todos nós, sem exceção somos filhos de um mesmo Pai.

Muitas vezes por nos encontrarmos sem pai ou mãe, nos revoltamos, sentimo-nos desamparados, a mercê da própria sorte. Porém, jamais devemos esquecer que existem leis universais, leis de Deus que regem a harmonia de nossas vidas. Toda ação pressupõe uma reação, isto é lei, é física, é algo concreto.

Lucas foi o primogênito de três irmãos. Nasceram em uma família pobre e passavam por várias restrições. A Mãe professora trabalhava muito. Quantas não foram às vezes que saia antes do sol nascer e voltava para casa já tarde, quando as crianças já dormiam. Estas eram cuidadas por domésticas que se dispunham a trabalhar naquele domicílio. O pai parava pouco em casa, quando passeava como os filhos, era parando em todos os bares que encontrava, sempre alegando encontrar um amigo. Quantas não foram às vezes que os meninos ficavam dentro do carro esperando, esperando, até que a espera se tornava grande e acabavam por adormecer. Presenciaram brigas violentas de seu pai com desconhecidos, viram-no embriagado, ouviam mentiras e promessas que nunca se realizavam. Certa feita, Lucas do muro de sua casa ouviu sua mãe ao telefone falando com seu pai, pedindo-lhe que não retornasse para casa, pois a polícia o esperava. Do alto de sua vaidade e arrogância, o pai alegou serem seus amigos. Assim voltou para casa e foi preso como estelionatário.
Lucas e os irmãos cresciam solitários, envoltos por um mundo de fantasias particulares, sem pai para brincar de "pega-pega", empinar "pipa", jogar "bolinha de gude". Cresciam a sombra um do outro e da mãe protetora, rígida, severa, porém amorosa. Oferecendo-lhes o que podia e mesmo assim, muito mais do que recebera.
A triste lembrança que os marcou profundamente foi, às visitas que faziam ao pai na penitenciária. Algo que jamais esqueceram. Assim seguiram, pois, a vida não para. A mãe separou-se de seu pai quando ele ainda se encontrava preso. Não suportava tantos sofrimentos, ver seus filhos crescerem sem a proteção efetiva de um pai. Proteção que não se estabeleceu mesmo depois de ter saído da detenção.
Aos quinze anos Lucas viu seu pai morrer em decorrência do consumo excessivo de substâncias alcoólicas e cigarro, consumido por uma cirrose hepática. Naqueles dias, viu-se sozinho de fato, revoltou-se, pois no momento mais importante para um adolescente perdeu o que seria um referencial. Rebelou-se, vestiu-se de preto, deixou o cabelo crescer, bebeu, fumou, parou de estudar. Contudo, a todo o momento em sua intimidade uma voz manifestava-se, alertando-o, lembrando-lhe de seu compromisso.
Anos passaram-se até quando sua mãe descobriu que estava com câncer de mama. O especialista do alto de sua prepotência profissional deu-lhe seis meses de vida. No entanto, a força daquela mulher e os méritos que ela colhera ao longo de sua vida, garantiram-lhe mais alguns anos de vida. Lucas na ocasião já voltara a estudar, voltando atenção para uma proposta maior. Quando criança, interrogado sobre sua futura profissão, afirmava que seria médico, pois médicos não morriam.
Dedicou-se ferrenhamente aos livros, apostilas, testes, simulados. Sua vida pessoal limitava-se ao curso preparatório, longas horas em sala de estudo e o retorno já tarde para casa. Tinha um compromisso com sua intimidade, uma promessa a ser cumprida. Tinha que entrar na faculdade antes que sua mãe morresse. Todos os dias a via definhando, consumida pelo tumor implacável, sucumbindo pela dor, sofreu muito. Mais tarde veio a descobrir que às doenças e sofrimentos gerados por elas, eram um remédio salutar para regeneração do espírito.
Finalmente entrou no curso de medicina e como sua voz interior o alertará, sua mãe teve seu desejo satisfeito. Partiu então para pátria espiritual feliz.
Mais uma vez Lucas viu-se só. Distante dos irmãos e poucos amigos, diante de um desafio desconhecido. Estudo muito, passou por várias dificuldades, dúvidas e tristezas, muito em função da falta de dinheiro, muito embora isso não fosse o maior motivo. Teve pouco apoio e não era muito bem compreendido por aqueles de seu convívio. 
Antes de completar o curso casou-se, encontrando ali um elo forte, um porto seguro, um momento feliz. Formou-se e tornou-se um bom médico, dedicando-se principalmente a população desfavorecida. Hoje é pai, um bom pai.
Durante muitos anos Lucas sentia-se ferido pelo fato de não ter tido um pai a protegê-lo, a ampará-lo, a mostrar-lhe caminhos a seguir. Felizmente, passou a compreender que estes sentimentos eram tolos. Deus o pai maior, não lhe faltara um só momento de sua vida, não lhe dera um pai consanguíneo presente, porém, dera-lhe um pai que lhe deu a oportunidade de vir ao mundo e soletrar sua vitória sobre suas limitações. Deu-lhe uma mãe que foi um grande Pai. Deu-lhe professores que como pais seguraram suas mãos inseguras na hora da lição. Deu-lhe amigos que como pai indicaram-lhe caminhos, propostas e ideais. Deu-lhe um anjo protetor que como pai o assistiu, o alertou, o consolou e velou por seu sono.
Quando todas essas imagens vieram à superfície de sua mente, percebeu finalmente que Deus lhe dera os melhores pais que o mundo poderia oferecer. E que seu genitor errará, não cumprirá seu papel, contudo, qual de nós não erra? Não ofertou amor em abundância para os seus, talvez porque não aprendera a amar, ou jamais tenha se sentido amado. Naquele instante o perdoou, na verdade foi além, pois compreendeu que não havia o que perdoar, pois não mais se sentia ofendido ou abandonado. Elevou seu pensamento a Deus e orou para que o espírito de seu genitor recebesse a lição do amor, ministrado pelos bons anjos do grande Pai.

Gallieus Injo
Vulgo Jefferson Kleber Forti
Belo Horizonte, 03 agosto de 2007